Quando eu era criança, andava pra cima e pra baixo com minha avó de ônibus, que tinha benefício da gratuidade por ter mais de 60 anos.

Minha vó teve minha mãe com uma idade avançada - minha mãe me teve muito nova - tudo se equilibra.

Voltando ao ônibus, morávamos perto do ponto final do saudoso Munhoz Júnior em Osasco, o que nos dava a possibilidade de sempre irmos sentados na parte dianteira do veículo. Conforme o ônibus ia lotando eu sentava no colo de vovó e a viagem seguia. Muitas das vezes dava pra ir sentado o caminho inteiro até Osasco. A gente era da periferia de Osasco, então se fôssemos no centro de Osasco falávamos simplesmente que estávamos indo em Osasco.

Gostava muito de ir do lado direito do carro, no horário que geralmente tomávamos o busão, esse era o lado que tinha menos sol pegando direto no seu braço - coisa que vovó valorizava bastante. Além disso, ir do lado direito do ônibus me proporcionava uma visão muito clara e ampla de todos os movimentos que o motorista ficava fazendo.

Ver o motorista dirigir me distraía muito, tanto na ida como na volta. Foram tantas idas e vindas que quando tinha por volta de 6 anos de idade resolvi o que queria ser quando crescer: motorista de ônibus.

Meu passatempo em casa envolvia três itens: uma tampa de panela, uma almofada e uma colher de pau. A tampa de panela ficava em cima da almofada simulando um volante, a colher de pau ficava numa dobra do sofá ao lado da minha perna, simulando um câmbio. Nessa altura do campeonato eu ainda não sabia muito da existência e funcionamento do pedal de embreagem, o meu negócio era ficar fazendo o barulho de giros do motor que estavam ali gravados na minha cabeça e me sentir um motorista.

O tempo passou e acabei escolhendo outra profissão, não sei se foi uma escolha acertada - vida que segue.

Sempre me lembro com muito carinho dessa época onde meu mundo e meus sonhos eram muito mais simples. Hoje em dia não vejo esperança no futuro da humanidade e não tenho quase nenhum sonho. Não é o propósito desse texto ficar aqui me lamentando e azedando, então essa parte para por aqui.

Na verdade, a ideia inicial desse texto era para falar sobre um processo que estou fazendo em minha vida mas também sem querer ser nenhum tipo de guru (afinal, existem vários destes por aí): estou vivendo com notificações desligadas no meu celular. Se for alguma coisa urgente, a função primária do smartphone ainda reside em seu sufixo - é só me ligar.

Ontem mesmo passei por uma situação engraçada: estava ouvindo uma vizinha esbravejar Lula Livre sem entender o que estava rolando, tava resolvendo alguma coisa do trabalho tranquilo no meu mundinho de headphones, tava ouvindo Ready To Die. Quando abri meu WhatsApp Web entendi melhor a situação e todo o alvoroço da Santa Cecília, esse mundinho em que resido atualmente.

Eu não quero saber instantaneamente de tudo que tá acontecendo por aí, ainda mais nesse momento delicado em que vivemos. Confesso também que não me ajudo: seguir mais de mil perfis no Instagram e no Twitter não é coisa de gente.

A grande questão que tenho percebido também é o fato de ser muito mais seletivo nos momentos em que adentro essas piscinas de dopamina. Geralmente, o uso desses aplicativos é muito mais impulsivo quando se parte de alguma notificação. Quando se entra para ver um perfil em específico, você não tá nem aí pro que tá aparecendo ali naquela lista infinita de stories.

Também tem a questão de o algoritmo te mostrar o que você mais quer ver - e a partir de algum momento é de se pensar: será que não sou eu que estou ansioso para ver o que o algoritmo me selecionou hoje? É uma linha tênue. Quando você vai ver, tá recebendo sempre no topo uma página de cachorros no meio de plantações de cannabis ou tá vendo Unos em situações tristes.

Sabe aquele aviso que fica no ônibus? Geralmente um adesivo acima do motorista, na parte dianteira: “Fale com o motorista somente o indispensável.”

É mais ou menos a mesma ideia. E sei que pode soar bem besta, mas tem sido uma maneira de manter a sanidade mental nesses tempos turbulentos que parecem que vão ser atemporais. Talvez, lá no fundo, isso tudo seja uma forma de escapismo. Talvez seja uma tentativa de fazer conexões de coisas do cotidiano que conversam com um passado mais simples.

Por aqui, sigo tentando ser o motorista do meu mundinho particular. Se puder, fique em casa. Cuidem-se.